A imprensa noticiou em agosto que o Ministério Público Federal de São Paulo pediu a retirada de crucifixos das repartições governamentais. Não é de se estranhar que grupos religiosos manifestem-se, aqui e acolá, contra a pretensão, alegando ofensas aos sentimentos populares. Mas parece que o dever do poder público de respeitar a crença de cada pessoa não é bandonado quando se fala na retirada de símbolos religiosos de repartições que pertencem a um estado laico.
Foi bem esse o entendimento do frei Demétrius dos Santos Silva, exposto em carta enviada ao jornal “Folha de S.Paulo” e publicada no dia 9 de agosto. O
religioso, filho espiritual de São Francisco de Assis, concordou inteiramente
com a proposta e enumerou as suas razões. Para ele, o uso de símbolos religiosos em nossas repartições públicas não soa como homenagem a entes sagrados, mas, ao contrário, como profanação. O frade afirma que jamais
gostou “de ver a Cruz em tribunais, onde os pobres têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são vendidas e compradas...”. Ele não quer “ver a Cruz nas câmaras legislativas, onde a corrupção é moeda mais forte...”. Não deseja tampouco “ver a Cruz em delegacias, cadeias e quartéis onde os pequenos são constrangidos e torturados...”. Não deseja nem mesmo “ver a cruz em prontossocorros e hospitais, onde pessoas pobres morrem sem atendimento”.
A peroração do frade é patética: “é preciso retirar a Cruz das repartições
públicas, porque Cristo não abençoa a sórdida política brasileira, causa da desgraça dos pequenos e pobres”.
Pode-se discordar da veemência das palavras e de generalizações que ofendem a lógica. Até porque um hipotético estado laico justo e quase perfeito também teria razões para não privilegiar qualquer símbolo religioso. Mas a
denúncia é para ser pensada. Ela consubstancia a manifestação irada de um religioso que certamente vive no dia a dia o sofrimento dos oprimidos.
Em maio deste ano, terminei um artigo nesta coluna dizendo que, “às voltas
com burcas, xadores, kipás, turbantes e outros símbolos religiosos usados por alunos de clãs de imigrantes nas escolas de França, país protagonista da separação entre igreja e estado, o presidente Nicolas Sarkozy, discursando em
Roma no dia 4 de janeiro de 2008, afirmou: ‘desejo o advento de uma laicidade positiva, ou seja, uma laicidade que, preservando a liberdade de pensamento, de crer ou não crer, não veja as religiões como um perigo, mas, pelo contrário, como um valor’...”.
Luiz Viegas de Carvalho é
psic analista
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