terça-feira, 24 de novembro de 2009

Deus, onde estás?

A lembrança de textos emblemáticos da Bíblia pode levar a enganos
às vezes até hilariantes. O grito de Castro Alves por Deus em
“Vozes da América” – indagando onde Ele se esconde – sempre se
entendeu como poesia, numa visão antropomórfica. Mas não deixa
de ser uma espécie de desafio. A incitação de Saramago a Deus
para que Ele vá até ao Vaticano tomar café com Bento 16 soa como
pilhéria, sarcasmo ou provocação. Acho que nem o Joseph
Ratzinger estaria preparado para visita tão deslumbrante. A intimidade
com os poderes do além, apregoada por alguns na história, enfileira-se no rol
dos imponderáveis que assaltam pessoas de boa fé, doentes mentais
e famosos charlatães. Não pretendo questionar os saberes que pessoas de várias religiões encontraram na Bíblia. Elas merecem respeito. Acharam a verdade que as alimenta. E podem dela se nutrir sem gastar dinheiro.
O fato cultural é que Deus está presente, pelo menos, nos hábitos
de multidões. Oxalá, se Deus quiser, graças a Deus, Deus ajuda
quem cedo madruga, Deus te abençoe e vários outros dizeres.
Deus é do tamanho da cabeça de cada um. Para uns é cruel, vingativo,
dono dos tsunamis; para outros é um ser que paira na região
do mistério e do inefável, muito diferente de qualquer ser vivo por nós conhecido.
Na primeira infância o homem sempre precisou de pai e mãe ou de alguém para socorrêlo, para defendê-lo da fome, do frio ou de qualquer forma de desamparo. No entanto, para alguns a infância não acaba nunca. Na
impossibilidade de laçar Deus e domesticá-lo, criam-se outras divindades
mais palpáveis: dinheiro, amor, saúde, corpo sarado, simulacro
de imortalidade e outros substitutivos de dependência. Ao fazer essas divagações, considero muito sugestiva a advertência do profeta Isaías: “... o
meu pensamento não são os vossos pensamentos, e vossos caminhos
não são os meus caminhos – oráculo do Senhor (55, 8)”. De fato, Deus não
usa caminhos. Ele não está num lugar. Não ocupa espaço. Ele está
além do alcance dos nossos sentidos. Deus também não pensa.
Pensar, raciocinar é atributo de quem está envolvido com o tempo
– passado presente e futuro. Continuando a brincadeira, acho que Saramago vai ter que esperar sentado, pois Deus também não marca audiência, não
usa telefone nem correio eletrônico.
E não tem secretária.

Luiz Viegas de Carvalho é
psic analista