sábado, 27 de fevereiro de 2010

Religiosidade no Carnaval


Os sambas-enredo do Carnaval do Rio de 2010 sugerem reflexões por variados ângulos. Muita gente diz que eles carregam um forte conteúdo de revolta, usando a arte em suas diversas manifestações. Outros falam de religiosidade. Um pouco antes das festas do Rei Momo, publicou-se um decreto governamental sobre Direitos Humanos. Parece que a maioria
dos cidadãos não tomou conhecimento da medida. Mas, entre outros assuntos discutíveis nele contidos, houve uma grita sobre símbolos religiosos em repartições públicas. Pilhérias surgiram aqui e acolá, como as sugestões de substituir no Rio a estátua do Cristo Redentor por uma de Pedro Álvares Cabral, de retirar o triângulo trinitário da flâmula da Inconfidência Mineira
e até de mudar o nome da constelação do Cruzeiro do Sul. Mas, e o Carnaval? Transpirou revolta ou religiosidade? A Imperatriz Leopoldinense espalhou divindades na Praça da Apoteose, a começar pelo título: Brasil de Todos os Deuses. E continuava: “O índio dançou em adoração; o branco rezou na cruz de cristão; o negro louvou seus orixás”... e quase ao final arrematava: “ A Imperatriz é um mar de fiéis no altar do samba, em oração...” A escola campeã, Unidos da Tijuca, esbanjou religiosidade: Arca da Aliança, a Divina Comédia de
Dante, o rei Salomão, autor de livros da Bíblia, trazendo talvez implícita
a ideia de que o segredo é mesmo Deus. Ele não se explica claramente, como muita gente gostaria. E onde há segredo pululam boatos e crendices. “Quem
que não tem uma louca ilusão e um Dom Quixote no coração”, cantou a União da Ilha. Por isso, é “sagrado esse mistério”. “E as cinzas na poeira da memória vão tomando corpo”. Símbolos que falam do invisível e do que não está ao
alcance dos sentidos. “Meu Deus, por onde vou procurar?”, pergunta a campeã. A Vila Isabel recordou Noel Rosa: “Veio ao planeta com os auspícios de um cometa, naquele ano da revolta da chibata; a sua vida foi de notas musicais”. A música se transforma em arma sonora contra o chicote dos poderosos e bem situados. E a Mangueira, paixão de muitos, não deixou por menos: “Mangueira até parece um céu no chão”. Um sonho de paz e harmonia? Ninguém acaba por decreto com o desejo de céu e de felicidade.

enviada por Luiz Viegas de Carvalho